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Eliana Costa: “Não precisamos nos masculinizar para sermos respeitadas”

Eliana Costa Diretora Adjunta ITL
Eliana Costa - acervo pessoal

Faz mais de 40 anos que comecei no transporte. Meu marido é transportador, então conheci o setor através dele.

Mas iniciei minha carreira profissional aos 17 anos, em uma instituição bancária, logo quando entrei na faculdade. Fiz uma boa carreira no banco, aos 21 anos, já era gerente regional.

Por eu assumir ainda jovem este cargo, teve vezes, durante uma ou outra visita a clientes, de eu chegar acompanhada de um colega homem e o cliente só se dirigir a ele, como se fosse ele o tomador de decisão. Quando este colega me apresentava como a gerente regional, as pessoas se surpreendiam.

Sempre fui muito respeitada, mas tinha esse ponto de as pessoas se espantarem por me ver naquele cargo sendo mulher e tão jovem. Nós, mulheres, temos muitos desafios, mas hoje temos a oportunidade de falar sobre eles, naquela época, não.

Meu sogro era caminhoneiro e montou sua própria empresa. Aí vieram os filhos e a coisa foi crescendo. Quando ele nos deixou, o Vander, meu marido, pediu para que eu fosse trabalhar na a empresa da família, e assim ajudá-lo nessa transição, por conta da minha experiência na área financeira.


Eliana Costa Diretora Adjunta ITL e Família
Acervo pessoal

Pensei: vou ficar lá por um período, porque isso tornará minha rotina mais fácil com as meninas, que eram pequenas, e depois retomo a minha carreira no mercado. Acabei ficando por 20 anos.

Em 1996, a gente estava na transportadora com um índice muito alto de roubo de cargas, e como tinha um certo conhecimento também na área de seguros, assumi a assessoria da área de riscos e começamos a implementar rastreadores nos veículos. Montamos um centro de controle operacional (CCO).

Foi uma época em que trabalhei diretamente com os motoristas e com o pessoal do depósito. Isso trouxe um resultado fantástico. Conseguimos diminuir o número de roubos e de acidentes.

No ano de 2016, decidi que já tinha completado o meu ciclo e dado a minha contribuição para a empresa. Também queria ter outros desafios.

Voltei a estudar, fiz uma pós-graduação, conheci novos conceitos, porque a gente fica, no dia a dia, tão ligado à rotina de trabalho e da casa que, muitas vezes, não prioriza isso.

Eliana Costa Diretora Adjunta ITL
Acervo pessoal

O retorno aos estudos também me fez voltar ao trabalho. Dessa vez parti para uma área institucional, fui trabalhar no Sest Senat (Serviço Social do Transporte e o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte).

Entendi que esse trabalho não era só simplesmente um serviço, mas sim, um esforço de fazer a inclusão social de pessoas na área da educação e saúde.

Fiquei no Sest Senat, como supervisora regional em Minas Gerais, e pude desenvolver um trabalho bem interessante com a perspectiva de novas unidades. Nossas estruturas oferecidas ao trabalhador são eficientes, mas muitas vezes, as oferecidas em postos de gasolina, os quais são pontos de paradas, não são.

Tem posto que lá atrás recebeu concessão como ponto de parada, mas a estrutura se deteriorou e, hoje em dia não é mais um ambiente agradável. Isso me incomodou bastante.

Então, levei uma proposta para a diretoria executiva do Sest Senat para a instalação de mais unidades próprias, para a gente poder dar essa qualidade para o trabalhador que está na estrada.

Naquele mesmo ano, conseguimos aprovar o projeto. Antes de sair do Sest Senat, deixei os terrenos dessas unidades comprados, e hoje já estão praticamente todas inauguradas.

Com o Sest Senat cuidando da vida dos nossos trabalhadores, em 2019, fui convidada a vir para o ITL (Instituto de Transporte e Logística) cuidar dos gestores das empresas, dos tomadores de decisão. Mais de 4 mil já foram qualificados pelos cursos de formação executiva que oferecemos.


Eliana Costa Diretora Adjunta ITL
Acervo pessoal

Uma mudança que tenho visto em nossas salas de aula é que, há cinco anos, a média de mulheres era de 20%, hoje a gente já chega a 40%. É o efeito dominó de uma puxar a outra.

E a coisa precisa fluir assim, porque somos a maioria da população brasileira. Não é fácil ser mulher e trabalhar em um setor ainda tão masculino. Somos apenas 18% de mulheres no setor de transporte.

Aqui dentro do ‘Sistema S’ nós mulheres somos 64%, e desses, 54% estão nos cargos de gestão. Atingimos essa marca organicamente com processos seletivos sérios e feitos por competência.

O cargo que ocupo hoje como diretora é com muito orgulho. Independente de eu ser casada com o presidente do ‘Sistema S’, sempre busquei qualificação e acredito que com competência, determinação e coragem, a gente consegue vencer, sem precisar passar por cima de ninguém.

As mulheres podem exercer vários papéis de uma forma muito bem-feita. Muitas são mães solo, criam seus filhos, cuidam das suas famílias e gerem suas casas sozinhas. E mulheres inspiram umas às outras.

Eu me inspirei muito na minha avó e na minha mãe. Minha avó, infelizmente, não está mais aqui, mas ela foi uma mulher muito corajosa e a minha mãe, além de ter coragem, tem determinação e abraçou os meus sonhos. Ela, sem estudo, só com o ensino básico, tinha o desejo de dar aos filhos uma boa educação.

Eliana Costa Diretora Adjunta ITL
Acervo pessoal

Quando eu quis fazer faculdade, ela não me deixou sozinha, veio para Belo Horizonte junto comigo e me deu suporte e a estrutura de que eu precisava. Isso foi um grande diferencial na minha vida. Precisamos ter essa rede de suporte ao nosso lado, de mulheres que cuidam de mulheres.

Assim como elas me inspiraram, acho que o meu sonho também é ser lembrada pelas minhas filhas e netas como um exemplo. Isso me emociona, porque falar de família me deixa sensível.

Acredito também que, pelo fato da minha sogra ter trabalhado na transportadora, antes de mim, consegui transitar bem e nunca tive dificuldade em lidar com o pessoal da operação. Todos me respeitavam muito porque esse caminho já estava sedimentado.

E, quando a empresa tem mulheres em cargos de gestão, ela já está criando esse amadurecimento de diversidade e inclusão. As mulheres têm este perfil maternal que acolhe as pessoas. Isso traz um resultado bastante positivo.

Os movimentos para a ampliação da participação das mulheres demonstram esses valores para as organizações. E não é só questão da equidade de gênero, mas também em relação à equiparação de salários e à diminuição do assédio.

Precisamos realmente levantar algumas bandeiras. Não é só ter mulheres no transporte, mas acolher essas mulheres de uma forma em que se sintam pertencentes. Temos o machismo estrutural no Brasil, e não só no setor de transporte.

Não queremos tirar nada de ninguém, só queremos somar. E o que precisamos é de respeito e de oportunidade, do resto, a gente dá conta.

A mulher que quer entrar no mercado de trabalho, seja para qual for o cargo, precisa de acreditar nela mesma e mostrar que é capaz. Não pode ter no dicionário dela a palavra ‘medo’.

Os desafios acontecerão a qualquer momento da vida. E, nós não precisamos nos masculinizar para sermos respeitadas.

Um último conselho é: aprendam mais todos os dias, porque assim, você cresce e faz com que os outros cresçam ao seu redor. O estudo não nos tira nada, só acrescenta.


Por Eliana Costa, diretora do ITL — Instituto de Transporte e Logística.

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