Quando criança meu sonho era ser bailarina, depois escritora, professora e até jogadora de basquete. Eu não queria ser advogada e muito menos pensava em trabalhar no transporte rodoviário de cargas. Embora o cheiro do pneu sempre estivesse presente em meu pai, fazendo parte da minha infância.
Por volta dos meus 16 anos, no entanto, passei a acreditar que minha sede de justiça pudesse ser atenuada se eu estudasse Direito, mesmo meu pai apostando na Medicina. Passei no vestibular, e logo em seguida iniciei um estágio. Como estagiária trabalhei em escritórios de advocacia e no Ministério Público do Paraná.
Passei a desejar estar no Direito Penal e fiz duas pós-graduações na área. Cheguei a participar de alguns programas de voluntariado na OAB Cidadania com foco em revisão criminal.
Mas em um determinado momento, comecei a questionar essa Justiça. Sabe, a justiça que eu queria era, muitas vezes, um pouco diferente da Justiça que eu assistia.
Foi aí que aceitei um convite do meu pai para trabalhar com ele na Trans-Iguaçu, empresa que foi sua vida e paixão por aproximadamente 52 anos. Assim, iniciei minha trajetória no TRC.
Para meu pai, aquilo que eu fazia era trabalho de menino, no fundo era isso que ele achava. Mas como ele não teve filhos homens (teve três mulheres), precisou aceitar na transportadora a minha presença e a da minha irmã. Lá permaneci por 20 anos.
Em decorrência de algumas divergências dentro da empresa, eu e meu pai discutíamos muito. Só que mesmo com nossos conflitos, meu pai foi um grande incentivador, ele dizia - “você não pode chorar, você não pode desistir, muitas pessoas dependem do seu trabalho”, o que me permitiu reflexões e o desejo de continuar.
A minha vontade de desistir sempre foi passageira e isso eu devo aos ensinamentos e estímulos do meu pai. Nunca tive medo. O que sentia era muita insegurança, “frio na barriga”, mas enfrentava, propunha-me a estudar e aprender quando desconhecia o assunto.
Chamo as dificuldades de desafios, que podem se transformar em oportunidades, desde que estejamos preparados. E os desafios? Nossa, são muitos!
Nos anos 2000 o número de mulheres no meio de transporte era ainda menor e, portanto, mais presente a intimidação. Hoje, pessoalmente eu sinto pouco a desigualdade, mas posso dizer que ainda escuto e observo tratamentos desiguais no meio empresarial, como salário e posição de liderança.
As mulheres ainda precisam se dedicar bastante, demonstrar conhecimento técnico, competência, para se destacarem e ocuparem seu devido lugar. A equidade de gêneros ainda é uma realidade distante no Brasil e no TRC, mas que devemos perseguir com entusiasmo.
As organizações precisam ter estratégia empresarial para alcançar a equidade de gênero, pois se trata de diferencial competitivo e justiça social. É uma quebra de paradigma. Não existe sexo frágil, existe competência, dedicação e sensibilidade.
Entendo que o tema deve ser amplamente discutido, observando-se as vantagens para o mundo corporativo. Um ambiente com equidade de gênero é um ambiente que remete ao respeito, à responsabilidade e à humanidade.
Precisamos de persistência, coragem, ousadia e engajamento, para afastar o machismo. Fácil não é, mas é plenamente possível quando há um propósito. Logicamente que nada se constrói sozinho, sendo imprescindível a participação e apoio de todos.
Hoje, além de permanecer advogada no TRC e ocupar a posição de Gerente Nacional na Pizzattolog, tenho a satisfação de comentar que tenho líderes diretos, homens, que me apoiam, me impulsionam e acima de tudo confiam em mim e me permitem confiar neles também.
Eu não sonhei ser advogada, eu não sonhei ser Gerente Nacional na Pizzattolog, mas eu sonhei ser FELIZ.
A relação de confiança também explica o sentimento de felicidade que tenho hoje. Realizo um trabalho que amo, que me faz brilhar os olhos, faço parte de um time de gigantes.
Fizemos um vídeo na Pizzattolog em homenagem ao dia da mulher e minha frase foi “Seja você, seja espontânea, seja mulher forte do TRC”. Eu quis dizer seja ousada, não permita que o medo te congele, que as pressões sociais te impeçam de buscar seus sonhos, de encontrar a felicidade.
Acima de qualquer coisa, precisamos buscar a nossa felicidade, passamos muito tempo no ambiente de trabalho, então não podemos nos sentir tristes, sofrer abusos, desacreditar na nossa capacidade de aprender e ensinar.
Entendo ser imprescindível a associação de homens e mulheres nos diversos setores, é assim que encontramos equilíbrio na tomada de decisão. Equilíbrio sempre será uma meta.
Necessário reconhecermos para termos a igualdade de gêneros, isso não é um trabalho exclusivamente para o RH, mas para a alta direção das empresas. Precisa fazer parte da cultura da empresa, e não pode ser tratado como um tema acessório.
A diversidade faz bem para as empresas e para a sociedade, e ao meu ver traz mais criatividade, inovação, produtividade e lucratividade. Tratar um assunto sob diversas perspectivas, ampliando o olhar, é literalmente enriquecedor.
*Por Deborah Cardoso
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